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Depois do algoritmo das redes sociais me recomendar através de 4 fontes diferentes em menos de 24 horas o documentário: “O Dilema das Redes”, sentei no sofá e o assisti pela Netflix.
Se você não viu documentário ainda, basicamente, são mostrados problemas originados através dos algoritmos das redes sociais, todo o esquema por detrás do negócio, consequências presentes e futuras e como a inteligência artificial tem afetado à sociedade.
Bom… primeiramente, todo documentário tem um intuito muito claro: defender persuasivamente sua tese. E escrevi “persuasivamente” de forma proposital, porque essa palavra foi muito usada no documentário. Se você assistir a um documentário vegano, você tem uma propensão maior de aceitar aquelas ideias e se tornar vegano. Nada contra os veganos; não sou veganofóbico, só usei uma analogia.
Um exemplo exaustivamente citado no documentário foi dos efeitos negativos das redes sociais em crianças e adolescentes como o aumento das taxas de dano ao próprio corpo e de suicídio, conforme imagens abaixo, retiradas do documentário - com créditos à NetFlix e ao The Sun.
E a pergunta que faço tem a ver com a afirmação: a causa dos problemas é das redes sociais? Sério? Essa foi uma das argumentações mais infundadas que já escutei nos últimos tempos!
É muito fácil delegar a responsabilidade da frustração aos outros. Muito fácil. Esperava que meus filhos crescessem e fossem felizes (expectativa), mas na realidade estão depressivos (resultado) - isso é a frustração. E delego a outrem a culpa por minha frustração, ou seja, o índice de suicídios e agressões ao próprio corpo aumentou graças à popularização das redes sociais. Me pergunto: então, atribuímos também que o número de divórcios em Maine tem caído porque o consumo per capita de margarina caiu? Este último exemplo soa naturalmente absurdo, sabemos que a correlação é falsa. Mas há situações falsas (verossímeis) que parecem verdadeiras. E aqui tomo emprestadas, com extremo respeito, às palavras do sr. Felipe Miranda que colo literalmente abaixo:
"Como muito bem resumiu Alberto Dines, há situações verossímeis que não são verdadeiras. E há situações verdadeiras que não são verossímeis. Uma história bonitinha e bem contada pode facilmente não corresponder à realidade. Incorremos com certa frequência em falácias da narrativa, sem qualquer apego à verdade, encontrando correlações espúrias e estabelecendo links causais onde há apenas aleatoriedade. Confundimos razão com racionalização, ciência com cientifização — e essas são coisas bem diferentes."
Temos que ter muitíssimo cuidado com análises. Muitíssimo! No canal #partiuserrico tem uma playlist de análises que busco ajudar aos inscritos a interpretarem dados por pontos de vistas mais heterodoxos. Não é porque há estudos fazendo a correlação entre suicídios e o crescimento no uso de redes sociais que a causa está, de fato, nas redes sociais. Um indicador pode ser usado erroneamente como causa, mas é muito difícil perceber isso em determinadas situações devido à falácia da narrativa, muito bem explicada por Nassim Taleb. Essa correlação entre crescimento no uso de redes sociais sendo a causa dos problemas relatados, no entanto, é infundada por uma argumentação muito simples: a criança NÃO compra celular! Até trabalhar, tudo que as crianças e jovens recebem é dos pais.
“Ah, Mayko, mas todo mundo da escola dos meus filhos tem celular!”
Quando apelamos a exemplos absurdos, podemos ver com mais claridade determinadas coisas. Então, se “todo mundo da escola dos seus filhos” resolver se suicidar, você vai dar uma injeção com veneno para ele fazer o mesmo? Quem é o adulto? Ou não há adultos nessa família? Será que se o ambiente familiar é agradável e os pais trabalham para serem exemplos para os filhos, haverá motivo deles desejarem celular?
“Ah, Mayko, mas o celular me ajuda a ter um pouco de tempo para mim, senão, eu não aguento!”
Tempo para que? Para você, pai/mãe, ficar no celular?
Você, adulto, sabe todo o processo que tem que acontecer antes de uma criança nascer. VOCÊ TOMOU A DECISÃO DE SER PAI/MÃE. Agora, você vai delegar a responsabilidade de seu/sua filho(a) agredir-se a si próprio(a) às redes sociais que estão no celular que você comprou para ele/ela?
Então, me responda, qual a CAUSA por detrás desse problema com as crianças e jovens? É difícil falar: “a causa sou eu (pai/mãe)”? Ok, pode ser difícil falar. Porém, enquanto essa responsabilidade de adulto não for assumida, outras conjunturas sociais continuarão ocorrendo, as crianças e jovens sofrerão os impactos e permaneceremos delegando a culpa a terceiros.
Um outro argumento dado no documentário foi de que os profissionais de tecnologia sabem “manipular” o ser humano pois “o cérebro não evoluiu nos últimos anos” e, dessa forma, temos certos mapeamentos psicológicos já estruturados e conhecidos. Além disso, houve um aumento expressivo das “Fake News” e um cenário propício para as eleições de Bolsonaro no Brasil e de Donald Trump nos EUA (coincidência ou não, o documentário foi lançado poucos dias antes da eleição americana… que coisa, não?!). Pois eu digo: evoluímos suficientemente para tomar decisões. Agora, será que o problema de tomar decisões que não nos favorecem está nas redes sociais?
Vamos pensar em um exemplo que empiricamente vejo como comum: toda vez que havia um problema em sua casa, tua mãe e teu pai resolviam. Aos 18 anos, entretanto, te falaram: “agora já és maior, tome tuas decisões e não te equivoques”. E o problema está nas redes sociais ou está nos pais que não educaram os filhos a tomarem decisões em sua própria vida?
Crer que o ser humano é tão limitado, manipulável e incapaz de avaliar a realidade, é reduzir o homem de uma forma tão simplista que chega a ser infantil. Como esse humano foi capaz de trazer tanta novidade ao mundo nos últimos milênios, de sair do próprio planeta e de ampliar tanto sua expectativa de vida se é tão limitado, manipulável e incapaz de avaliar a realidade?
Então, onde, de fato, está o problema?
É muito mais lógico pensar que o problema está na criação das crianças (que se tornam adultas um dia) do que nas redes sociais, porém é mais confortável delegar a culpa das minhas frustrações a alguém que não tem cara (um aplicativo qualquer) do que a alguém que olho no espelho toda manhã.
Ser eu significa, portanto, não poder subtrair-se à responsabilidade, como se todo o edifício da criação repousasse sobre minhas costas [...] O eu ante o outro é infinitamente responsável.
Emmanuel Lévinas
Mayko Petersen
#partiuserrico
29/09/2020