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Seguir os ensinamentos de Jesus implica sofrimento? De certa forma, sim. Entretanto, o sofrimento dos cristãos não é por seguir Jesus - como se seguir Seus ensinamentos trouxesse sofrimento (ao contrário) - mas sim por assumir a responsabilidade sobre os próprios atos que, como consequência natural, trazem sofrimento.
Confuso? Tentarei explicar.
Em todos os evangelhos sinópticos, há a passagem que Jesus diz: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16, 24; Mc 8, 34; Lc 9, 23). Especialmente no evangelho de Mateus, continua logo a seguir, dizendo que o Filho do Homem retribuirá a cada um de acordo com o seu comportamento.
Primeiro, obviamente, temos que entender o que é “tomar a cruz”. A crucificação tinha um processo e tinha um propósito. O propósito era condenar escravos, rebeldes, piratas e inimigos do estado e criminosos. Não precisamos saber tanto sobre a história da condenação por crucificação para entender isso. Em Lc 23, 39-43 vemos que dois outros foram crucificados ao lado de Jesus por serem ladrões, ou seja, cometeram um crime, de fato. A consequência por seu crime foi a crucificação. Mas por que não matá-los de outra maneira, ou prendê-los? Porque, além do propósito da execução, a crucificação visava a humilhação do condenado e a dissuasão, ou seja, fazer com que os potenciais criminosos repensassem se iriam, de fato, cometer o crime que planejavam, visto que poderiam ser os próximos a estar naquela posição. Portanto, a consequência por cometer determinados crimes era a condenação por crucificação. Jesus foi exceção à regra. Ele foi condenado por uma pressão popular que fez com que Pilatos o condenasse com o intuito de contentar a multidão (Mc 15, 15; Jo 19, 8). Na esmagadora maioria das vezes, os condenados eram criminosos - vemos que Pilatos não queria condenar Jesus, pois não encontrava culpa nele (Lc 23,4; Lc 23, 14s; Lc 23, 22; Jo 18, 38; Jo 19, 6) e que sua mulher o via como inocente (Mt 27, 19).
No processo, poderia ocorrer, que a madeira usada para ser crucificado fosse levada pelo condenado.
Os cristãos, em sua maioria, se acham muito bonzinhos. Sempre acham que as cruzes que levam em suas vidas são provas de Deus ou tentações do inimigo para tirar-lhes do caminho do céu, enquanto, na verdade, na imensa maioria das vezes se trata da consequência NATURAL do pecado.
Ora, o que esperar de uma pessoa que não trata bem seu próprio corpo, templo do Espírito Santo, comendo alimentos açucarados, tomando refrigerante e sendo sedentário? Que essa pessoa tenha saúde? Ou desenvolva uma doença, dificuldade para se locomover, taxas descontrolada nos exames etc? A cruz de uma pessoa doente, no geral, é uma cruz injusta como a de Cristo, ou é uma consequência natural da displicência sobre o templo do Espírito Santo?
E o que esperar de um marido que tem uma mulher que não se cuida mais depois de casada, que não dá suporte a ele e que discute em casa? Ou dessa mesma mulher que escolhe um marido que não estuda, não gosta de trabalhar e gosta de beber? Que ele a trate como rainha?
O que esperar de uma mulher que tem marido que acha que a mulher é apenas uma executora de tarefas, que não é romântico com ela e não passa segurança alguma no seu casamento? Ou dessa mesma mulher que escolhe um marido que não busca trabalhar e melhorar, tampouco crescer intelectualmente e nem tem um projeto de legado para deixar para a família? Que ela esteja disposta a apoiá-lo e fique ao seu lado?
O que esperar de alguém que sempre gasta tudo o que ganha, toma empréstimos para fazer viagens e postar as fotos no Instagram, que não sabe renunciar seus desejos para poupar para o futuro? Que tenha tranquilidade financeira e durma tranquilo?
Logo, tomar a cruz e seguir Jesus significam algumas coisas:
Para seguir Jesus, a primeira coisa necessária é assumir as consequências dos atos. Como a crucificação era uma consequência dos crimes, as cruzes que levamos são, em sua maioria, consequências das más escolhas que fazemos. Claro que há exceções, existem marés de azar e não controlamos tudo; “há justos que são tratados conforme a conduta dos ímpios e há ímpios que são tratados conforme a conduta dos justos” (Ecle 8, 14). Porém, na maioria das vezes, somos crucificados na terra pelos crimes que cometemos aqui, afinal quem cava um buraco, nele cairá (Ecle 10, 8). É preciso, obviamente, ter claridade que: existe o buraco, eu caí no buraco e quem cavou o buraco fui eu! É o que Carl Rogers denomina “tornar-se pessoa”: vejo a realidade como ela é, não a nego e sei que, se a cruz está nas minhas costas, é uma consequência do crime (erro) que cometi.
A glória leva tempo: Jesus não entregou o Espírito e saiu andando 2 minutos depois, como vemos em desenhos animados ou filmes de comédia. Levou tempo. Houve LUTO. O luto é importante. Como diz em Ecle 7, 2: “Mais vale ir a uma casa em luto do que ir a uma casa em festa, porque esse é o fim de todo homem; deste modo, quem está vivo refletirá.”. E, logo depois, no versículo 4, diz: “O coração dos sábios está na casa em luto, o coração dos insensatos está na casa em festa.” É importante passar pelo período de reflexão profunda após levar a cruz, só assim é possível ressuscitar. Aquele que permanece sempre cometendo os mesmos crimes, porque não têm consciência sobre eles, permanecerá matando sua alma, crucificando-a uma e outra vez, pois, cedo ou tarde, a consequência (a cruz) virá. Permanecerá no túmulo da ignorância e do sofrimento, onde há escuridão e solidão. O período de luto é importante, mas não deve ser eterno: chora de dor, guarda luto e faze-lhe [ao morto] o luto que merece, um ou dois dias para as lágrimas, depois consola-te do sofrimento, pois a aflição acarreta a morte e o sofrimento interior abate as forças (Eclo 38, 17s). Logo, o importante é levarmos a cruz (assumirmos as consequências), refletirmos profundamente e melhorarmos para que, aquela cruz levada, seja o meio para alcançarmos a glória. É, por exemplo, aquele endividado que avaliou sua vida, conseguiu pagar as dívidas, foi diligente e conseguiu ter prosperidade; ou aquele homem que vivia em uma vida hedonista, avaliou sua vida, e se propôs a estudar, trabalhar e ajudar a sociedade…
O reconhecimento precisa ser público: todos da cidade viram Jesus levar a cruz. Lembremos também de Zaqueu (Lc 19, 8): “se defraudei a alguém, restituo-lhe o quádruplo”. Após a reflexão feita no momento de luto, que é individual (podemos ter ajuda, mas, no final, é cada um que interioriza o ocorrido), é hora de que os outros vejam o erro. Isso não quer dizer postar nas redes sociais a lista de crimes (pecados) no stories ou no feed. Não! Isso quer dizer: pedir desculpas a quem fiz mal; pagar a quem devo; restituir com tempo, dedicação e amor aqueles que sofreram por minha omissão e, algo que acho muito bonito na Igreja Católica, confessar-me. A confissão é um reconhecimento para outra pessoa (o sacerdote) de todos os erros que foram cometidos. É, de fato, levar a cruz da cidade à Gólgota, porém sem derramar uma gota de sangue e tendo a plena certeza que nada falado sairá daquela confissão. De certa maneira, a confissão reúne os 4 pontos de tomar a cruz e seguir Jesus (já explicarei o 4º ponto). Sempre haverá, graças à misericórdia de Deus, um Simão de Cirene, seja o sacerdote, a família e/ou um amigo, que ajudará a levar o fardo da cruz (Lc 23, 26). É necessário ultrapassar a barreira da reflexão (reconhecimento do crime), sendo necessário assumir a culpa diante de outro, ou seja, deixar a máscara da vergonha cair de nossa face para estar diante de nossa verdadeira identidade: ninguém se relaciona verdadeiramente com personagens, mas sim com pessoas.
Jesus tem clara consciência de tudo isso e, mesmo assim, pede para que O sigamos, MESMO nós sendo pecadores: ora, se a maioria dos que levam suas cruzes são condenados pelos seus próprios crimes e Jesus fala: “tome sua cruz e siga-me”, Ele quer que, mesmo nós, criminosos, possamos segui-lo. Isso fica claro em Mc 2, 17, quando Jesus diz: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os doentes. Eu não vim chamar justos, mas pecadores”. Lembremos do Salmo 139: “tu me sondas e conheces” e Jesus conhece profundamente: o sentar, o levantar, o agir, as palavras que nem chegaram à língua e as intenções. Ou achamos que Jesus é um bobo? Até um ato bom pode ter uma intenção ruim e trazer uma consequência natural (cruz). Mesmo assim, ainda sendo criminosos, Jesus quer que o sigamos. Afinal, se somos criminosos mesmo ao Seu lado, quanto mais longe d’Ele: nem mesmo a comida para os porcos nos restará (Lc 15, 16). E sabe o que acontece se deixarmos de segui-lo? É emocionante dizer isso, mas Ele estará lá, em pé, esperando dia após dia nosso retorno (Lc 15, 20) e vai ficar resplandecente de alegria com nosso retorno (Lc 15, 23s; 4-7; 8ss). Quem pode resistir a esse amor e a esse olhar quando os compreendem?
Ainda bem que, por misericórdia, como eu já havia escrito, Deus permite que levemos nossas cruzes, assumindo nossas responsabilidades para que, assim, cresçamos e, também como uma consequência disso tudo, ao final, como Jesus, possamos viver junto com Ele na Glória.
Mayko Petersen
#partiuserrico
29/03/2022